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Novembro

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Por Wilame Prado

Aprecio os meses de novembro. Pelo menos aqui pelos lados do norte do Estado, os ventos noturnos acalmam a alma e refrescam aqueles que enfrentaram um intenso calor durante o dia.

Lembro-me que era novembro porque conversava com minha mãe sobre o aumento das temperaturas, a aproximação do verão e as dificuldades com os climatizadores que quebram justamente nesta época. “Entra o calor, e então as geladeiras e os aparelhos de ar-condicionado dão pau. No frio, é a vez de quebrar as máquinas de lavar”, replicava para ela as palavras ditas por um assistente técnico que havia consertado há alguns dias minha geladeira.

Havia voltado para casa, naquele novembro, na cidade interiorana onde minha mãe mora. Fazia calor, mas o sábado amanhecera chuvoso e então todos se sentiram um pouco melhor, podendo respirar melhor. De madrugada, os três climatizadores de ar daquela imensa casa pararam de funcionar com a queda da energia elétrica após anúncio da chuvarada feito por um raio que se fez estrondoso pelo barulho do trovão.

Na cidadela, a história se repetia nos últimos meses do ano: mais calor, mais seca, uma chuva exagerada de vez em quando, quedas de energia frequentes e a falta de água nas casas. Como em cidades litorâneas que não suportam – logisticamente falando – a invasão de turistas nas temporadas veraneias, aquela cidade pequena do interior sofria carência de serviços a partir de novembro – mais pelas condições climáticas do que pelo aumento de pessoas que chegam até a cidade para visitar os parentes, ir a casamentos e velórios.

“O ar está parado agora, mas tenho certeza que a noite será fresca”, pensava comigo mesmo andando pela cidade de minha mãe um dia antes daquela chuva boa que caiu no sábado. Mesmo com tanto calor, não me permiti vestir uma bermuda naquele dia. Julguei mais adequado vestir calça jeans para acompanhar o velório e enterro de uma tia que morreu dormindo. Era principalmente por causa da morte dela que havia regressado à cidade onde vivi boa parte de minha adolescência e que agora tanto sofria com a falta de água e com climatizadores pifando.

“Banho agora só depois das oito. A água volta de manhã e depois das oito”, explicava-me um velho amigo de infância que encontrei no sepultamento.

E finalmente a noite havia caído. E os ventos haviam chegado. E era chegada a hora em que as pessoas, naquela pequena cidade, colocam as cadeiras de área nas calçadas para conversar sobre tudo e sobre nada, sobre climatizadores que pifam e uma tia que finalmente descansa após 55 anos de uma vida meio deslocada. Almas que se acalmam em noites de novembro. Acho que nunca mais me esquecerei daqueles dias quentes e daquelas noites amenas em que passei na cidade pequena. Por lá, o tempo passa modorrento.

Jamais esquecerei. Era novembro. Enterramos a tia na tarde daquela sexta-feira de altas temperaturas. O suor escorrendo atrevidamente do rosto do coveiro lidando habilmente com tijolos e argamassa no lacre do túmulo. No sábado, a chuva limpando o ar para alegria de todos e, ao fundo, ao longe, ouvia-se o som de uma fanfarra que executava, na avenida da pequena cidade, uma música pop que havia feito sucesso há alguns anos. Naquela pequena cidade, de tempo modorrento, com tardes quentes e com ventos noturnos, climatizadores quebravam e parentes morriam. Era novembro, e disso eu me lembro bem.

*Conto publicado terça-feira (19) na coluna Crônico, do caderno Cultura (O Diário do Norte do Paraná)

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